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Moradia assistida como estratégia de cuidado | Vídeo

Aceitar que um parente ou uma pessoa querida more em uma instituição de saúde não é uma missão fácil. Muitas vezes estigmatizada como abandono, essa decisão pode ser um passo importante para que a pessoa com transtorno mental crônico tenha mais qualidade de vida, melhor assistência e até mesmo mais autonomia em seu dia-a-dia.

A psicóloga Caroline Severo falou sobre o tema na palestra “Moradia assistida como estratégia de cuidado”:

“Quando pensamos no trabalho da residência (terapêutica), tivemos como base um conceito muito forte, que é o conceito de cronicidade associada a uma ocupação indevida e redução de uma vida social do estado atual. O que a gente observava era que os pacientes se colocavam muito mais no lugar de doentes do que no lugar de sujeitos. Era como se esses pacientes não mais existissem, como se tivessem, mesmo, se perdido”, contextualiza a psicóloga.

Ela destaca que, quando o projeto começou, há cerca de cinco anos, os profissionais da Holiste sempre observavam muito de perto a questão do rótulo que o doente mental carrega, e concluíram que, muitas vezes, o paciente estava tão adaptado a esse lugar de adoecimento que confundia sua identidade com as características próprias da doença.

“Essa questão do rótulo do doente mental interfere muito na questão do isolamento do laço social. Então, quando eu me apresento o tempo todo enquanto doente, enquanto aquele que estou isolado, o laço social também se esvai”, completa.

Assista ao vídeo completo:

Residência Terapêutica

A residência terapêutica é um projeto de moradia assistida, na qual os moradores não ocupam mais o lugar de doentes, mas um lugar onde podem se referenciar e exercer o protagonismo de suas vidas.

“É como se fosse uma forma de reaparecer o sujeito. Precisamos pensar que e são pessoas que passaram por 30, 40, 50 anos (às vezes) de um adoecimento muito severo, e que este sujeito está completamente apagado”, sublinha Caroline Severo.

Ela pontua que as pessoas entram na residência como pacientes, mas logo começam a se perceber como moradores, como pessoas que compartilham um lar e que possuem autonomia para decidir sobre os aspectos dessa morada.

 

Indicação para residência

Os pacientes que recebem indicação para a moradia assistida apresentam estado crônico de doenças mentais, que apresentam disfuncionalidade em sua capacidade produtiva, não se sentindo mais capazes de atividades voltadas ao trabalho e das próprias questões relacionadas a outros aspectos do dia-a-dia.

Isso interfere também na relação com a própria autonomia, resultando em uma cronificação nas relações sociais e, muitas vezes, em uma fragilidade no suporte familiar.

Residência X Internação

Caroline Severo salienta que na internação o foco é o trabalho médico-hospitalar, visando o manejo dos sintomas graves do transtorno mental nas fases de crise aguda. Já no modelo de moradia assistida, o foco passa a ser a forma como o indivíduo pode ser resgatado do próprio ostracismo da doença, uma vez que o estado de cronificação da doença não permite uma total ausência de sintomas.

“É muito mais da personificação de um lugar e de se reapropriar deste lugar enquanto moradia, porque é isso que nós sempre focamos, respeitando muito a singularidade”, acentua.

Equipe multidisciplinar

Na moradia assistida existe todo um aparato de profissionais e especialidades no cuidado com o morador, como a enfermagem 24h, assistência psicológica, acompanhamento terapêutico, terapia ocupacional, nutricionista e assistência psiquiátrica.

“A gente tende, sempre, a expor o morador a múltiplas instâncias coletivas mediadas pela equipe. Preservamos o conceito de casa, mas temos todo aparato do bairro e da cidade para estar pensando em novas formas do sujeito aparecer, e isso favorece a responsabilização do indivíduo pelo seu bem-estar. Ao passo que ele vai se reconectando com o social, que ele vai se apresentando de uma forma diferente, ele consegue, de alguma forma, aparecer como sujeito”, salienta a psicóloga.

Alcançando o sujeito

O trabalho da equipe da moradia assistida tem como mote reconhecer que, para além de um paciente psiquiátrico, existe um sujeito e que ele pode ser alcançado através de sua própria fala. É um projeto que é com a participação ativa do morador, que se apropria desse espaço, e tem papel fundamental na produção de cuidado e melhorias.

“Eles começam a decidir coisas simples que perderam. Por exemplo: qual é a cor da roupa que eu quero hoje? O que eu quero comer hoje? Sair no fim de semana, ir ao salão, são coisas muito sutis, mas que fazem a diferença”, sublinha.

Eixos do projeto

A moradia assistida tem como base os eixos físico, social e psicológico, como forma de dar integralidade ao tratamento. No eixo físico, é feito um trabalho voltado para a percepção do corpo do sujeito, a partir de atividades de expressão, criatividade e reapropriação do corpo.

No eixo psicológico, a abordagem é como trabalhar a questão cristalizada do adoecimento, como forma do paciente sair de repetições sintomáticas e se organizar psiquicamente.

Na questão social, não se trata apenas de sair do ambiente da residência, mas de que estes sujeitos sejam reconhecidos, sejam vistos e notados como membros ativos da comunidade.

“A residência não é um lugar de abandono. Vamos estar cuidando deles junto com as famílias. O desafio é colocar a residência como um lugar de cuidado do sujeito, de afeto, de empatia, e que não é um trabalho que permite padronização e enquadramento. É um processo que vai ocorrer de sujeito a sujeito, caso a caso, dependendo muito da história de cada um”, finaliza a psicóloga.