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O imperativo da “Super Mammy” | Por Caroline Severo

caroline severo

A maternidade tem sido tema de grande polêmica e questionamentos,  da gestação ao puerpério, passando pelo novo “formato” da mãe moderna. Anteriormente, a maternidade era fortemente influenciada pelo discurso religioso, que reservava às mulheres o lugar de mãe na sociedade. Tornar-se mãe respondia o enigma da feminilidade, tornando equivalente o “ser mulher” e o “ser mãe”, através de uma equação simples. Além disso, a vivência da dor e do sacrifício do corpo era sinal de provação e resignação da mulher/mãe; os partos, por exemplo, eram marcados pela dor da carne.

No mundo contemporâneo, com as mudanças no âmbito social, econômico, tecnológico e cultural, a ciência se afirma enquanto discurso antagônico à religião. Dentre os diversos avanços proporcionados pela medicina destacam-se as variadas formas de amenizar a dor do corpo e as soluções para o desejo de ser mãe. Anestesias, congelamento de óvulos, são exemplos destes avanços,  considerados por muitos como símbolos do “empoderamento feminino”. Porém, podemos afirmar que amenizar a dor do corpo transformou a relação da mulher com a maternidade? Quais são os desafios da mãe moderna diante dos novos papéis e exigências sociais deste novo tempo?

Observamos que o discurso atual está povoado pela normatização, pedagogização e idealização da maternidade. As mídias e as “leis” de consumo imperam e apelam para que se corresponda à imagem da mãe perfeita, superpoderosa, o que consequentemente convoca uma imagem ideal de filho: pequenos reis e rainhas, a quem se deve ofertar tudo.  De alguma forma, as mães tendem a ser capturadas por esse discurso. O imperativo da “super mammy” arrebata não só o lugar da mãe, mas o da mulher, que para  dar o “melhor” de si  retorna ao principio do sacrifício, não mais através do corpo, mas da dor psíquica.

É cada vez mais frequente um grande número de mulheres que chegam aos consultórios tomadas pela angústia de se tornar mãe, por não estarem todo o tempo com o filho, por não conseguirem amamentar, por estarem trabalhando demais, por acharem que não dão conta de serem mães de acordo com o ideal materno ao qual estão submetidas. Movidas pela culpa, o que termina aparecendo são as compensações e descompensações frente a si mesmas e na relação com seus filhos, seja pela via da superproteção, da coisificação da relação ou, ainda,  pela via do sintoma. Em contrapartida, observamos a formação de diversos grupos de mulheres, principalmente nas redes sociais, que experimentam a maternidade com o intuito de desmistificar a maternidade “cor de rosa”. Muitas delas conseguem falar sobre o desgaste físico e psíquico diante das noites mal dormidas, da fadiga, da dor e do prazer, do real versus o Ideal.

Será que a mãe é sempre aquela que tem e deve ofertar o tudo? Para Lacan, a mãe é o outro da demanda, o outro do amor, mas que para tanto é necessário que a relação mãe e filho seja marcada pelo reconhecimento da falta. “Para a mãe ser suficientemente boa, não a deve ser em demasia”. Frente a essa afirmação de Lacan, se pensarmos na lógica do consumo atual e a exigência idealista da “super mammy”, o direcionamento não seria instigar a mãe-mulher a dar tudo aquilo que ela não tem, negando assim a falta ?

É legitimo questionar se estamos consumindo ou sendo consumidos pela ideia de proporcionar um suposto bem estar, revestido de uma tentativa de tamponar a falta e a frustração diante dos limites do “ser mãe” e do desejo do filho. Amor e dor, prazer e frustração são experiências inerentes ao sujeito, e serão fundamentais para criar e desenvolver repertórios e alternativas para lidar com o inevitável.

Sabemos que a maternidade é um labirinto, pois toca não só no ser mãe, mas no ser filha, ser mulher, ser profissional. Por se tratar de sujeitos singulares, soluções universais tendem a conduzir ao equívoco. Cada mãe, a partir da sua própria história e suas contingências, encontrará as saídas possíveis a partir da invenção e da reinvenção da sua relação com o seu filho e com os imperativos atuais que atravessam a experiência da maternidade.

 

*Caroline Severo, psicóloga assistente do Programa de Tratamento do Transtorno Bipolar da Holiste.