Paula Dione, psiquiatra da Holiste, fala sobre a repercussão do posicionamento do papa Francisco a respeito da condenação do prazer pela igreja, em artigo publicado no jornal A Tarde.
A canção “O Papa é pop”, da banda gaúcha Engenheiros do Hawaí, foi lançada em 1990. À época, o cargo máximo da igreja católica era ocupado por João Paulo II, e mote da canção era algo como “ninguém está a salvo, até mesmo o papa foi alvejado” (em referência a um atentado sofrido pelo papa em 1981). Hoje, 30 anos após o lançamento da canção, como poderia ser qualificado um papa que afirma que “o prazer de comer serve para manter uma boa saúde; da mesma forma, o prazer sexual serve para embelezar o amor e garantir a continuidade da espécie”?
Lembro-me de um episódio, há 10 anos atrás, em que recebi a visita de uma amiga italiana em Salvador, por ocasião do carnaval. Essa amiga, também médica, confidenciou sua admiração por ver estampadas em diversos outdoors da cidade propagandas de incentivo ao uso de preservativos, claras e diretas, contendo inclusive fotos coloridas dos famigerados objetos, em capinhas plásticas ou não. “Use camisinha”, “Faça sexo seguro”, etc. Segundo ela, dificilmente em seu país de origem as pessoas abordariam essa questão de saúde pública de maneira tão “escancarada”. Recordo que, depois de refletir um pouco, ela falou: “acho que tem a ver com a influência da igreja”.
De acordo com dados históricos, houve momentos em que a sexualidade e a religiosidade caminharam unidas, sendo a fertilidade, a reprodução e o próprio amor considerados dons passíveis de serem concedidos ou não pelos deuses, de acordo com a conduta e o merecimento dos mortais. Também percebe-se na história o momento em que essa maneira de pensar começa a condenada, para que ganhe força uma nova abordagem em que certos aspectos da sexualidade humana, sobretudo as formas de obter prazer, passam a ser passíveis de controle por organizações sociais, as quais passam a ditar as normas e exercer maior domínio sobre a população.
O papa Francisco conta 83 anos e, segundo dados sobre sua trajetória religiosa, tem perfil conservador, sendo contrário ao aborto, à eutanásia e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, tem apresentado um forte impulso modernizante quanto ao posicionamento da igreja perante diversas questões práticas do dia-a-dia. Naquela que foi considerada por alguns como a mais ousada declaração de um Pontífice sobre o assunto, o papa Francisco teria demonstrado uma intenção de acolhida a pessoas homoafetivas, dizendo que “não devem ser marginalizadas, mas integradas à sociedade”. Dessa forma, diante da declaração de que a rejeição ao prazer deveu-se a “uma interpretação errônea da mensagem cristã”, cria-se a esperança de que, num futuro breve, diversas pautas de destacada relevância social possam ser revisitadas, com um olhar mais inclusivo e amoroso por parte dos líderes religiosos.