Na edição de abril do Encontros Holiste, a geriatra Juliana Casqueiro e a psicóloga Raissa Silveira falaram sobre a relação entre os transtornos psiquiátricos e quadros de demência, e a importância do diagnóstico diferencial para o tratamento.
Existe, entre o público geral, a ideia que transtornos mentais e medicações psiquiátricas podem causar quadros de demência. Para esclarecer o quanto essa crença reflete a realidade dos quadros demenciais, a Holiste convidou a geriatra, Diretora Científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/ BA e Cofundadora do Núcleo Oscar Freire, Dra. Juliana Casqueiro, para palestrar sobre o tema “Transtornos psiquiátricos evoluem para demência?”.
Na sequência, a psicóloga e Coordenadora do Programa de Estimulação Cognitiva da Holiste, Raissa Silveira, ministrou a palestra “Diagnóstico diferencial entre transtorno psiquiátrico e demência”, ressaltando a o importância em separar os dois diagnóstico para a construção de um plano terapêutico mais eficaz.
“É muito importante tratar dessa pauta, porque há muita confusão entre quadros demenciais e transtornos mentais, principalmente na população idosa. Falar sobre a importância do diagnóstico diferencial ajuda a colocar as coisas em seu devido lugar, permitindo que possamos abordar cada problema da forma mais adequada.” – pontua Raissa.
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DECLÍNIO COGNITIVO E DEMÊNCIA
As demências possuem uma característica muito marcante: o declínio cognitivo. Nos mais diferentes tipos de demência, o declínio cognitivo é o sintoma mais fácil de identificar e mensurar, através de diferentes testes.
É comum que as pessoas fiquem presas ao fator “memória” como o único meio de aferir esse declínio, mas a verdade é que muitas funções executivas podem indicar a existência de uma perda cognitiva que mereça atenção.
“Existem três classificações para avaliar um possível quadro de declínio: o declínio cognitivo subjetivo, que é quando a pessoa e seus familiares percebem alguns esquecimentos e mudanças no comportamento; o comprometimento cognitivo leve, que é aferido através do teste das diferentes dimensões cognitivas; e, finalmente, a demência, que é quando já existe um impacto em sua funcionalidade, e a pessoa já não consegue fazer coisas que ela sempre fez.”- explica Juliana.
Assista a palestra completa:
TRANSTORNO MENTAL COMO FATOR DE RISCO PARA DEMÊNCIA
Apesar de suas causas ainda guardarem mistérios, é possível traçar alguns fatores que colaboram para que quadros demenciais surjam ou se desenvolvam com mais facilidade. Segundo Juliana, já se sabe que o acesso à boa educação na infância é o principal fator para prevenir a demência na terceira idade, pois a educação potencializa a criação de uma reserva de sinapses cerebrais.
Já na vida adulta, os principais fatores que podem influenciar um futuro quadro de demência são: perda da visão e/ou audição, traumas cerebrais, hipertensão, consumo de álcool e obesidade. Na terceira idade, fumo, depressão, isolamento social, falta de atividade física, poluição do ar e diabetes se tornam as variáveis de maior risco.
“Existe um estudo da Nova Zelândia que acompanhou cerca de 1 milhão de pessoas por trinta anos. Descobriu-se que as pessoas que possuíam um transtorno mental prévio tiveram uma incidência três vezes maior de quadros demenciais. Mesmo que não saibamos exatamente os motivos para isso, é possível estabelecer uma correlação entre os fenômenos.” – observa a geriatra.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Transtornos psiquiátricos e quadros demenciais podem compartilhar uma série de sintomas entre si. Nos idosos, é comum que problemas físicos desencadeiem sintomas psíquicos, como confusão mental e alucinações. Por isso, realizar o diagnóstico diferencial é de extrema importância para a assertividade do tratamento.
A definição do diagnóstico diferencial consiste em “um único diagnóstico entre um grupo de diagnósticos que rivalizam entre si e são mutuamente exclusivos”. Simplificando: depressão e transtorno bipolar fazem parte do mesmo grupo diagnóstico (transtornos do humor), mas um diagnóstico é excludente do outro; ou a pessoa tem depressão, ou tem transtorno bipolar.
“Eu quero trazer a importância de que todos nós, que trabalhamos com o público idoso, precisamos estar atentos ao que está além de nossa prática específica. Eu como psicóloga, se quero atender um idoso, preciso estar atenta a uma hipótese de infecção urinária mesmo que eu não seja médica.” – pontua Raissa.
Assista a palestra completa:
RECURSOS PARA A REALIZAÇÃO DO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Afinal, como se estabelece um diagnóstico diferencial? Tudo começa com uma escuta fina, atenta aos mínimos detalhes. Nesse processo, é fundamental ouvir não apenas o paciente, mas seus familiares e cuidadores formais ou informais.
Para a realização do diagnóstico diferencial no idoso, o profissional pode se valer de diversas ferramentas: anamnese detalhada, dados do processo de adoecimento, análise funcional (capacidade de realizar atividades), exames laboratoriais, exames de neuroimagem e avaliação neuropsicológica.
“Delírio, rebaixamento do humor, sintomas psicóticos, alterações de comportamento, alterações na atenção e memória, uso de substâncias, alterações no sono, todos esses sintomas podem estar presentes tanto em quadros demenciais quanto em outros transtornos psiquiátricos. Isso confunde não somente profissionais, mas toda a família.” – afirma a psicóloga.